Bonequinha de Luxo

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Análise do filme “KIKA”: moda e fetichismo no cinema de Pedro Almodóvar

 

 

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O fetiche em cena

 

 

Dizem às vezes que a beleza é completamente superficial. Talvez. Menos superficial, em todo caso, do que o pensamento. Para mim, a Beleza é a maravilha das maravilhas. Só os espíritos levianos não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não invisível...” (Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray)

O filme KIKA (1993), do diretor espanhol Pedro Almodóvar narra a história da maquiadora Kika, que foi contratada para maquiar um defunto, filho de um escritor americano radicado em Madri, chamado Nicholas Pierce. Nesta película, Almodóvar trata do voyeurismo e evoca o filme “Janela Indiscreta”, clássico de Hitchcock.

O personagem Nicholas escreve um livro sobre um escritor que matou sua esposa e afirma ela ter se suicidado para escapar das grades. Num programa de TV ele diz que escreveu esse livro inspirado nas acusações feitas a ele, depois da morte de sua mulher.

 

 

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Nicolas (Peter Coyote)

 

 

O filho do escritor chamado Rámon sofre de catalepsia e acaba despertando durante a maquiagem de Kika. O enteado de Nicholas que parecia morto acorda e ele e Kika se apaixonam e iniciam um relacionamento amoroso.

O estilista Gianni Versace produz o figurino desta personagem, que são vestidos coloridos, decotados, com estampas, saídos da sua coleção de 1992.

O estilo da personagem evoca a moda dos anos 60, com saias rodadas e blusas coloridas, como a roupa desta foto.

 

 

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Kika (Veronica Forqué) e Rámon (Santiago Lajusticia)

 

 

Outra personagem central neste filme é Andrea Caracortada (Victoria April), que trabalha como apresentadora de um programa de TV sensacionalista e apresenta as desgraças humanas, do cotidiano de Madri. Ela é ex-psicóloga e depois de ler os roteiros de Nicholas para seu programa, ela deduz que seus personagens retratam ele mesmo, um serial killer muito perigoso. Ela começa a espionar a sua vida, em busca de um furo jornalístico e as relações entre estes personagens se cruzam e ocorrem várias situações inesperadas.

 

 

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Andrea Caracortada (Victoria Abril)

 

 

O figurino de Andrea Caracortada é uma mistura da moda vamp, com o glamour de Jean Paul Gaultier. O figurinista trabalhou diretamente com Pedro Almodóvar, durante a preparação deste filme.

 

 

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Andrea Caracortada (figurino de Gaultier)

 

 

No filme KIKA o vestido mais provocativo é o longo preto e justo de Andrea Caracortada, com dois seios de plástico explodindo através do tecido rasgado, um dos figurinos mais marcantes do cinema. (Fashion, 2003, p. 63)

A apresentadora investiga as perversidades humanas e relata-as ao seu espectador de uma maneira gélida e quase abstrata, pois em seu rosto não há marcas de expressão ou sensações causadas pela notícia narrada. Ela simplesmente conta e transforma o pesadelo do conteúdo de suas notícias, em banal.

No estilo noite, Andrea Caracortada utiliza o estilo vamp, como a atriz Theda Bara, dos tempos contemporâneos. No entanto, esta atriz do cinema mudo não ganhou o apelido de uma vamp pela simples façanha de suportar pesadas túnicas de miçangas. Ela tinha uma postura que realçava as suas roupas, em cena. (Faux, 2000, p. 29)

 

 

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Theda Bara interpretando Cleópatra, atriz vamp do cinema mudo

 

 

O estilo vamp surgiu entre as décadas de 20 e 30, em Hollywood e segundo Edgard Morin, a vamp, saída das mitologias nórdicas e a grande prostituta, saída das mitologias mediterrâneas, ora se distinguem, ora se confundem no arquétipo da mulher fatal e universaliza-se rapidamente e a partir de 1922. (Morin, 1980, p.23)

Andrea Caracortada, a apresentadora de TV que veste o longo preto, chama a atenção do espectador pela sua vestimenta, que é mais que uma roupa, porque ela envia informações sobre quem ela é, na verdade.

O figurino é composto por todas as roupas e acessórios dos personagens, projetados e/ou escolhidos pelo figurinista, de acordo com as necessidades do roteiro, personagem, da direção do filme e as possibilidades de orçamento.

Segundo Valerie Steele, a ligação entre a moda e fetiche se tornou lugar-comum com o tempo, como a moda fetichista que aparece como acessórios da “roupa de poder” que foi a principal tendência de moda dos nos 80. A ideia da mulher sendo muito forte predominou e a imagem da “bad girl” também agradou as mulheres, para agradar aos homens ou porque elas mesmas encontram gratificação erótica em itens como sapato de salto alto e lingerie, é uma questão que pode permanecer em aberto. É provável que a imagem de sexo-e-poder da “bad girl” seja parte do apelo da moda fetichista junto às mulheres. (Steele, 1997, p. 27)

 

 

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Almodóvar, Victoria e Gualtier

 

 

O fetichismo se tornou um fenômeno sexual na segunda metade do século XIX, quando os comportamentos sexuais tradicionais começaram a evoluir em direção a padrões mais liberais e foi então que o termo foi empregado pela primeira vez, designando qualquer coisa que fosse irracionalmente adorada.

Sigmund Freud diagnosticou na histeria de suas pacientes os sintomas do efeito da repressão da sociedade contra a mulher. Ele relacionava o erotismo com as roupas íntimas, citando o fetiche, ou feitiço, que acontece quando a satisfação pessoal se dá através de objetos ou ornamentos. (Nazareth, 2007, p. 39)

Freud interpretou o fetichismo em termos de simbolismo fálico, portanto, ele é frequentemente acusado de “falocentrismo”. Para muitas teorias feministas o fetiche é interpretado como um “sintoma” tanto do capitalismo quanto do patriarcado, no seu duplo aspecto de glorificar objetos e objetificar mulheres, numa perspectiva que significa, mais uma vez que o fetiche é sempre masculino, enquanto a mulher se torna o próprio fetiche, segundo Steele. (Steele, 1997, p. 30)

A questão do fetichismo e as roupas, no sentido freudiano do termo, é o substituto de pênis que falta à mulher. Ele ocupa “o lugar de”, numa equação simbólica que deixa de lado a lógica para preencher essa ausência, mantida distante da consciência, pois remete à castração e à angústia que a acompanha. Assim, pode-se achar que, de qualquer forma há um pequeno pênis em algum lugar (o fetiche), mesmo que se sabe que não há.

Como por exemplo, as roupas “de fantasia” que a Caracortada usa em seus programas, revelam uma personagem que se veste de forma fálica, na medida em que ela é sensual, ao mesmo tempo que a personagem fabrica a imagem de uma “supermulher” que escapou da castração.

A imagem de uma mulher forte e sensual como Caracortada agrada as mulheres, porque elas não ocupam o status de submissas diante da sociedade e demonstram a sua ideia através das roupas que usam.

 

 

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Andrea Caracortada (Victoria April)

 

 

Andrea é uma “soldada da informação”. Para as cenas externas, Gaultier criou um modelo utilitário, verde militar, cheio de zíperes e bolsos. Na altura dos seios, duas lâmpadas que se acendem quando a câmera de Andrea, presa em seu capacete, é ligada. (Fashion, 2003, p. 63)

A roupa remete ao robô de Metrópolis (Fritz Lang, 1927), um dos filmes preferidos de Almodóvar e Gaultier. Aldomóvar, além de evocar em seus filmes outros filmes de grandes diretores, também usa a técnica do filme dentro do filme. O filme Metrópolis simboliza a decadência urbana e o colapso da sociedade pós-moderna.

Ao longo dos anos, a imagem feminina passou por grandes transformações e que foram representadas no cinema e que acabou delineando vários perfis femininos, como a vamp, a divina, a glamorosa e tantas outras, como aquelas com o perfil das mulheres de Almodóvar.

 

 

 

Referência bibliográfica:

1) FAUX, Dorothy Schefer et alii. Beleza do século. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.

2) FILME FASHION – Grandes estilistas no cinema. Catálogo da exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, 2003.

3) MORIN, Edgar. As estrelas de cinema. Lisboa: Livros Horizonte, 1980.

4) NAZARETH, Otávio. Intimidade revelada. São Paulo: Olhares Editora, 2007.

5) STEELE, Valerie. Fetiche, Moda, Sexo & Poder. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

Sites consultados:

www.wikipedia.org/Figurino

www.google.com.br

www.filmow.com

 

Ficha técnica do filme:

Título: Kika

Direção/roteiro: Pedro Almodóvar

Países: Espanha/França

Ano: 1993

Elenco: Veronica Forqué, Anabel Alonso, Santiago Lajusticia, Rossy de Palma (Juana), Victoria Abril (Andrea Caracortada) e Peter Coyote

DVD – comédia

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